Esporte foi arma de Mandela para enterrar apartheid e colocar África do Sul no mapa

Nekson Mandela também virou uma espécie de amuleto para atletas e equipes, sobretudo as seleções sul-africanas, de diversas modalidades, que visitavam o Madiba antes de grandes eventos. Aqui, a seleção sul-africana de rúgbi encontra-se com o presidente antes da Copa do Mundo da modalidade em Paris, em 2006. Coincidentemente ou não, os Springboks conquistaram o título.

 

Morreu nesta quinta-feira (05/12) o ex-presidente da África do Sul Nelson Mandela, aos 95 anos. Após mais de meio século de vida pública, entre cargos políticos e lideranças sociais, o Prêmio Nobel da Paz deixa um legado de combate à segregação racial em que usou, entre outras armas, o esporte.

 

A relação de Mandela com os exercícios físicos e práticas esportivas nasceu muito cedo, ainda na adolescência. Assim que iniciou seus cursos de graduação, tornou-se adepto do boxe, o qual praticava com destreza, mas de forma amadora. Na época, também começou a rotina de caminhadas e corridas que seguiria até os 80 e poucos anos, enquanto a saúde permitisse. O cenário para suas andanças podia variar – as ruas de Johanesburgo, a cela minúscula de Robben Island em que passou grande parte de seus 27 anos como preso político ou a vizinhança de sua moradia presidencial.

 

A entrada para a vida política nos anos 1950, quando se tornou membro do Congresso Nacional Africano, afastou Nelson Mandela definitivamente do boxe, mas seu envolvimento com o esporte ganharia contornos de arma social logo que ele assumisse a presidência da república, em 1994, quatro anos após deixar a prisão. O líder observou que uma maneira de apaziguar as discrepâncias raciais ainda remanescentes do extinto apartheid seria unir brancos e negros sul-africanos em torno das mesmas torcidas.

 

Naquela época, havia uma distinção muito clara entre o esporte de cada um dos povos. Os brancos praticavam o rúgbi. Os negros, o futebol. Não se via ‘intromissão’ nem mistura nessas modalidades, e um grupo odiava o esporte do outro. Mandela, quando jovem, era um dos que repudiavam o Springboks, time de rúgbi da África do Sul. Assim que chegou ao poder, viu que era a hora de parar.

 

Empossado em 1994 como primeiro presidente eleito por voto universal no país, Nelson Mandela ajudou a África do Sul a ganhar o direito de sediar a Copa do Mundo de rúgbi do ano seguinte. Era uma ousadia. Por conta do apartheid, o país, ainda que fosse uma potência da modalidade, estava riscado das grandes competições esportivas. Foi só depois que Mandela saiu da prisão, por exemplo, que a nação voltou a disputar as Olimpíadas e, enfim, entrou nos Mundiais de futebol.

 

Mais do que levar o torneio de rúgbi para o país, o grande objetivo do líder era reunir toda a população em apoio aos Springboks. Tarefa impossível, aos olhos de alguns, e até mesmo perigosa.

 

“No início de seu mandato como presidente, ele vislumbrou a possibilidade de conquistá-los [os brancos] por meio da Copa do Mundo de rúgbi. Foi por isso que ele trabalhou arduamente para convencer seus próprios partidários negros a abandonar o preconceito completamente justificado de uma vida inteira e apoiar os Springboks”, escreve o jornalista John Carlin no livro “Conquistando o Inimigo”. O best seller, que mais tarde serviu de base para o filme “Invictus”, com Morgan Freeman e Matt Damon, conta exatamente aquela passagem do governo de Mandela, relembrando ainda como o líder seduziu grandes adversários para suas causas.

 

O que Mandela queria fazer na Copa do Mundo de rúgbi ele já vinha tentando de maneira infinitamente menor dentro de sua guarda presidencial, quando tinha de fazer os brancos do Sistema de Inteligência conviverem com os negros de sua segurança particular.

 

O grande parceiro de Mandela naquela missão foi François Pienaar. O presidente conseguiu incutir na mente do capitão dos Springboks a importância social daquele evento e levou o atleta a espalhar seus pensamentos para os demais companheiros da equipe. Aos poucos, com visitas esporádicas a vilarejos pobres e negros, os brancos da seleção de rúgbi assimilaram sua função.

 

AMULETO DA SORTE PARA SELEÇÕES

 

Nekson Mandela também virou uma espécie de amuleto para atletas e equipes, sobretudo as seleções sul-africanas, de diversas modalidades, que visitavam o Madiba antes de grandes eventos. Aqui, a seleção sul-africana de rúgbi encontra-se com o presidente antes da Copa do Mundo da modalidade em Paris, em 2006. Coincidentemente ou não, os Springboks conquistaram o título.

 

Mandela conseguiu fazer com que a grande maioria negra da África do Sul torcesse por sua seleção naquela Copa do Mundo. O esforço de parte a parte foi recompensado por uma vitória impensada sobre os All Blacks, a favoritíssima Nova Zelândia, na grande final. O presidente entrou no estádio Ellis Park, antes palco de racismo, greves e batalhas políticas, rodeado de milhares de brancos e negros, foi aplaudido por todos e ainda viu os Springboks serem reverenciados de maneira unânime com o troféu na mão.

 

Grandes eventos na África do Sul

 

Unir brancos e negros foi a grande missão da Copa do Mundo de rúgbi de 1995, mas a importância do esporte para Mandela como fator social não parou por aí. Como presidente ou mesmo depois, como liderança política e humanitária, o Madiba se esforçou para colocar a África do Sul no mapa-múndi levando ao país outros grandes torneios. E para sua sorte, muitos deles vinham acompanhados de bons resultados.

 

Em 1996, os sul-africanos sediaram – e venceram – pela primeira vez a Copa Africana de Nações, principal torneio de futebol do continente. Ainda entre os anos 1990 e 2000, Mandela não apenas ajudaria a organização como daria nome a torneios como o Nelson Mandela Challenge Plate, desafio anual de rúgbi entre África do Sul e Austrália, e o Nelson Mandela Challenge, jogo de futebol disputado uma vez por ano entre seu país e um adversário internacional. Todos com renda revertido para sua Fundação, que assiste crianças carentes e portadoras do vírus HIV.

 

Mas talvez a maior influência de Mandela como embaixador da África do Sul viria em 2004, com a escolha do país como sede da Copa do Mundo de 2010. A grande vitória, empurrada por negociatas de bastidores e um discurso forte do ex-presidente, quase veio quatro anos antes, quando a África do Sul foi derrotada pela Alemanha por apenas um voto – em eleição polêmica da Fifa – na disputa pelo Mundial de 2006. De quebra, viu um dos novos estádios construídos para a competição levar seu nome, o Nelson Mandela Bay, palco da eliminação brasileira diante da Holanda nas quartas de final.

 

Foi na Copa de 2010, aliás, que Mandela fez sua última aparição pública. Já extremamente debilitado fisicamente, e ainda com o revés de ter perdido uma bisneta em um acidente de carro semanas antes, o Madiba fez uma entrada surpresa e triunfal no Ellis Park antes da final entre Espanha e Holanda, vencida pelos ibéricos. Foi uma explosão de alegria dentro do estádio.

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