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Jesus nasceu numa estrebaria, por Dom Redovino

Por Dom Redovino Rizzardo*

 

Alguns anos após ingressar no seminário, paraconhecer um pouco mais a Pessoa e a Mensagem pela qual eu estava para consagrar a minha vida, passei a ler várias “biografias” de Jesus que então circulavam no mundo católico. Dentre elas, a do escritor italiano, Giovanni Papini (1881/1956), o qual, de agnóstico que sempre se orgulhara ser, em dado momento acolheu a graça com que Deus o visitava e se transformou num cristão fervoroso – apesar de conservar, em seus livros, o estilo polêmico que o caracterizava.

 

Num dos primeiros capítulos de sua “História de Cristo”, Papini se detém sobre o tema: “Jesus nasceu numa estrebaria”. Mais do que as palavras exatas, lembro o seu conteúdo: «O que é o mundo senão uma estrebaria, onde os homens defecam suas imundícies e se atritam quais animais? O que significa toda essa podridão e hipocrisia que os leva a se julgarem imunes dos delitos que condenam nos demais? Quem tem forças, rouba; quem tem armas, mata; quem está seguro da impunidade, se faz ladrão e assassino. Não há outra moral que a dos lobos e outro código que o dos abutres. Uma inversão total dos valores, onde o mal é considerado bem e o bem é visto como simploriedade. Precisamos novamente de Alguém que venha ao mundo para limpá-lo!.

 

Giovanni Papini escreveu a sua obra no biênio 1920/1921, na mesma época em que, em Trento, nascia Chiara Lubich, fundadora do Movimento dos Focolares, a qual, 60 anos mais tarde (em 1980), também suspirava por um Natal que renovasse a face da terra: «O Natal se aproxima e as ruas da cidade se engalanam de luzes. Uma fileira interminável de lojas, uma riqueza refinada, excessiva. Meninos e meninas em trenós puxados por renas e animaizinhos waltdisneyanos; Papais Noel, veadinhos, leitõezinhos, lebres, rãs, fantoches e anões vermelhos: tudo se move com elegância. Ah, lá estão os anjinhos! Que nada! São fadinhas, inventadas à ultima hora para enfeitar a paisagem branca. Em meu coração, a incredulidade e, depois, quase uma revolta: este mundo rico “defraudou” o Natal e tudo o que o cerca, e “desalojou” Jesus. Do Natal, ama-se a poesia, a atmosfera, a amizade que desperta, os presentes que expõe, as luzes, as estrelas, as canções. Aposta-se no Natal para o melhor faturamento do ano. Mas em Jesus não se pensa. “Veio para os seus, e eles não o receberam”. “Não havia lugar para eles na estalagem”, nem mesmo no Natal.

 

Se assim pensavam Giovanni Papini em 1921 e Chiara Lubich em 1980, imagine-se o que eles diriam hoje ante a degradação que atinge a sociedade e a natureza! O mundo é uma estrebaria quando o Natal perde o seu sentido e Jesus fica esquecido! Sem dúvida, estamos caminhando para um progresso científico e econômico cada vez maior, mas, com ele, também aumentam as frustrações e os dissabores trazidos pelos ídolos com que tentamos substituir a presença do Deus vivo e verdadeiro, que só atingimos quando vivenciamos o amor, a grande e sublime lição do Natal.

 

É o que escrevia a mesma Chiara, em 1979: «O Natal revela o amor que Deus tem por nós. Jesus Menino é o presente mais excelso que o Céu já deu à terra, esta minúscula Terra perdida na imensidão dos espaços, entre bilhões de estrelas, mas tão eleita, tão escolhida, a ponto de se tornar morda do Deus verdadeiro que se fez homem.

 

O Natal proclama que Deus nos ama, que Deus é amor. E nós não seremos cristãos autênticos se não dermos ao Natal o seu justo sentido, se não soubermos extrair deste mistério encantador, cercado por tantas aparências, a verdade que ele encerra. Façamos eco aos anjos que o anunciaram aos pastores e não percamos nenhuma ocasião para comunicar aos irmãos, aos amigos, aos colegas, ao mundo, que o amor desceu à terra por todos nós e que, no Natal, ninguém se deve sentir só, abandonado, órfão, infeliz».

 

Conta a lenda que Hércules precisou desviar dois rios para limpar os currais do rei Augias, que, de tão imundos, exalavam um gás mortal. Mas, para quem deseja atuar eficazmente para a “faxina” da humanidade, o caminho é mais exigente e… mais eficaz: «Partilhem os seus bens e tudo ficará limpo!» (Lc 11,41).

  • Dom Redovino Rizzardo é Bispo de Dourados – email: redovinorizzardo@gmail.com

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